sábado, 4 de outubro de 2008

contos dos meus 20 anos ou a apreensão do efémero


Eu sou a Flor.Sou uma túlipa vermelha.Toda a gente me chama Flor.Gosto.Flor é mais bonito que túlipa ou então sou eu que estou mais habituada.Estou sempre muito quieta.Só me agito quando há vento.Isto é aborrecido q quando chove não me posso abrigar debaixo de um telhado.Moro num jardim abandonado com outras flores e ervas e umas grandes árvores.Ao fundo do jardim,há uma casa onde já não mora ninguém há muitos anos.Mesmo ao pé de mim está uma estatua.Nunca fala.Como a boca é de pedra,naturalmente não a pode abrir.Dou-me pouco com as outras plantas do jardim.Não são como eu.A minha única amiga é a Infantazinha.É baixa e usa óculos.Sempre que pode vem para o pé de mim.O palácio dela é muito grande,tem coisas lindas,mas ela gosta mais de estar aqui.Tem umas tranças muito compridas que a Rainha-Mãe quer cortar.Eu gosto muito de a ver assim.O irmão da Infantazinha,que há-de ser rei,está a estudar noutro país.Dizem todos que a Infantazinha é tonta por vir falar comigo,mas ela não se importa.Aí vem ela.Já atravessou o portão e está quase ao pé de mim.Costuma vir mais cedo.-Olá,Infantazinha.Até que enfim que chegou.Porque veio hoje tão tarde?-Sabes lá!.Hoje custou-me muito a sair.O rei,meu pai,dizia que eu ainda não tinha estudado tudo.Mas lá consegui

 

A Infantazinha sentou-se na relva ao pé de mim.Trazia ainda o bibe azul da escola e começou a comer uma maçã,que estava no bolso.-Sabes,Flor,hoje no palácio houve discussão entre as pessoas crescidas.-Porquê,Infantazinha?-Não sei.Diziam muitas coisas que eu não percebia bem.-Mas nós passamos aqui tanto tempo juntas e nunca discutimos.-Naturalmente,porque somos diferentes,Flor.-Sim,deve ser por causa disso.-Mas nós vemos coisas que os grandes nem reparam –a Infantazinha olhou para o sol .Mas o brilho era tão forte que a obrigou a fechar os olhos.-é engraçado-disse-agora vêem-se quadrados de muitas cores.-É lindo o sol-Não é só o sol que é lindo.Tu nunca viste o mar.Mas é também tão bonito.-E o azul do céu …e as estrelas.-Já se está a fazer noite.Tenho que ir.-Volta amanhã,Infantazinha?Se puder venho.A Infantazinha levantou-se e sacudiu o bibe azul.Até amanhã,Infantazinha.-Adeus,Flor.Depressa chegou a noite.Era Inverno e apesar dos dias estarem lindos,anoitecia depressa.Resolvi dormir.Aconcheguei-me o melhor que pude e adormeci.Acordei no outro dia muito cedo com um barulho que não era o que a Infantazinha costumava fazer.Vi então um homem velho e baixinho,que empurrava um carro de mão cheio de ferramentas.Começou a arranjar o jardim.Daí em pouco em volta de casa estava tudo limpo de ervas,mas também de flores.Do sitio onde eu estou até à casa não é muito longe.O homem plantava no lugar das plantas antigas outras sementes,talvez de novas flores.O homem passou toda a manhã a fazer isto.Depois arrumou as ferramentas no seu carrinho e saiu pelo portão.Naturalmente foi almoçar.Eu fiquei com medo.Ele também me irá arrancar.Era tão bom que a Infantazinha viesse já.Mas aí está ele de novo.Demorou-se pouco tenmpo.Vem para o meu lado.Tenho medo e estou sòzinha.Porque é que hoje a Infantazinha não aparece?Ela não deixava que o homem me arrancasse.Iria dizer ao rei.O homem está quase aqui.o que irá fazer?Tenho medo.

Daí a pouco tempo a Infantazinha passava ,cantando alegremente,o portão do jardim,Ao pé da casa vê um homem,que vai entrar.Já ,no palácio, ouvira falar que vinha outra vez gente para a casa abandonada.Repara que o jardim está todo arranjado.As ervas,folhas e flores em montezinhos simétricos alinham-se pelo chão.A terra remechida.A Infantazinha começa-se a inquietar .Ao pé da estatua de pedra um carrinho cheio de ferramentas de jardinagem.A Infantazinha compreende.Começa a correr para onde estava a tulipa vermelha.Olha.Já lá não está.Vê-a caída num monte de outras flores já murchas.A Infantazinha baixa-se e agarra-a com muito cuidado.Sabe que não pode fazer nada por ela.Com a flor morta, nas mãos ,volta para casa a chorar.

 

 Publicado no extinto Diário d Lisboa 

 

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